Eu queria poder lutar por você, mas não posso! Estou de mãos atadas. Não sei se por algemas ou pelas ilusões postas em meus olhos que, se não me ataram as mãos, me fazem vê-las assim! Estou também com as pernas frouxas, bambas como as de uma criança que acabou de cair de bicicleta e agora não tem mais coragem de montar no veículo e seguir adiante. O fato é que esta criança está muito longe de casa e precisa correr para chegar a tempo do jantar. Mas imóvel com o peito arranhado (o meu por dentro) ela chora com medo e meiguice.
Se a minha vida fosse a noite desta criança; se o meu destino fosse a sua bicicleta; se a minha culpa fosse a bronca da mãe quando chegasse em casa e a ordem de tomar um banho, comer e ir para o quarto dormir; Se depois ela viesse ao meu quarto (enquanto eu fingiria dormir) e me desse um beijo cálido que aqueceria a alma e me faria esquecer talvez da queda, da bronca e da culpa, então eu quereria ser esta criança.
Mas sou apenas a criança das pernas bambas, é só até aí que minha história se cruza com a da queda. Nenhum beijo me tornará livre dos meus fantasmas.
Eu queria lutar por você! Mover mundos! Mas não posso! O que me torna uma pessoa cinzenta, sem graça, lamuriosa. Torna-me cada vez mais um bicho do mato que corre ao primeiro sinal de vida humana. Corre para longe dos faróis e dos motores, da luz e do som insuportáveis. E há sempre muito espaço para correr, entre árvores e riachos, pedras, um lugar para se esconder escuro e silente.
Se a minha vida fosse a deste bicho; se o meu caminho fosse correr por uma floresta com medo da luz e do som; se eu pudesse uivar, bramir, grasnar, urrar, e isso alertasse a todos que correriam ao meu lado, então eu quereria ser este bicho. Mas a minha história e a dele só se cruzam no medo de gente. A minha reação é bem distinta da dele: não me escondo entre pedras e árvores num escuro silencioso e calmo. Escondo-me sem sair da luz, onde ninguém consegue me encontrar porque me escondo dentro de mim. Uso uma máscara comum que ninguém duvida.
Às vezes este menino medroso e este bicho se encontram dentro de mim. E eles têm medo um do outro. Não sabem que são iguais. Que diferentes de mim, têm um motivo para correr e bradar e lutar pela própria vida!
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